sábado, 19 de junho de 2010

Contrastes na Baía de Luanda









Luanda, Maio/Junho de 2010

Dia

Dia de África em Angola. Aproveito a flexibilidade que um dia de feriado me dá para fazer um primeiro treino na Baía de Luanda.

Não foi uma estreia. Já havia corrido por ali em anos anteriores. Mas tenho sempre alguma curiosidade em notar as pequenas grandes diferenças que fazem com que Luanda comece a recuperar de décadas de estagnação. Uma rua alcatroada, um prédio novo, um buraco na estrada que deixou de existir ou um jardim recuperado.

Confesso que após ter estacionado junto ao Porto de Luanda estava à espera de encontrar uma marginal mais condicente com a beleza potencial desta Baía.

Ao invés, encontrei um cenário pior do que no ano passado.

Palmeiras despidas de folhas, passeios cobertos de terra que se levanta a cada sopro de vento, blocos de cimento do passeio levantados, autêntica crateras no circuito capazes de “engolir” parcialmente quem por ali passa, águas da baía que apresentam um aspecto espesso, manchadas por óleos e salpicadas por detritos de toda a espécie.

O dia está quente. 28 graus. A atmosfera não é agradável de se respirar. Mas este é o cenário com o qual me vou deparar nos próximos tempos. Por isso deixei-me de lamúrias e suspiros por cenários mais simpáticos e arranquei do Porto de Luanda em direcção ao ponto de retorno, marcado por uma bomba da Sonangol e as suas eternas filas de abastecimento.

Começo por tentar ambientar-me a este ar quente e húmido, bem característico de África.

Este calor como que envolve o nosso corpo dando uma sensação de grande conforto no dia-a-dia, mas não em particular quando se faz uma corrida.

Começo o treino numa passada lenta. E observar as paisagens recortadas por prédios enormes que nascem como cogumelos, os últimos modelos de jipes e SUV que aceleram pela marginal e algumas pessoas que passam por mim. Desde meninos que deambulam pela rua sem destino e de olhar vazio. Um par de “zungueiras” que carregam alguidares na cabeça e crianças nas costas, expatriados que pareciam ter ainda maior dificuldade a respirar aquele ar denso, um homem que dorme num banco e outro de roupas rasgadas e cobertas de pó que balbucia sons imperceptíveis sempre que passo por ele.

Luanda está calma. E imbuído dessa mesma calma e tranquilidade que caracteriza África termino o meu primeiro treino, com a certeza que ali vou regressar muitas vezes.

Noite

Concluir dias preenchidos de trabalho com treinos junto à Baía é o maior antídoto que encontrei para combater as rotinas diárias de Luanda e, claro, tentar segurar a condição física que fui adquirindo nos últimos meses.

Logo nos primeiros dias fiz algumas amizades com alguns frequentadores assíduos deste espaço. Companheiros de corrida para todos os ritmos.

Correr na Baía de Luanda ao início da noite revelou-se bem mais agradável do que fazê-lo durante o dia.

A começar pela temperatura que desce até cerca dos 20 graus. Bem como as ligeiras brisas que, quando não temos maré baixa, podem tornar-se realmente refrescantes.

Todo o tipo de gente percorre este passeio com cerca de 1,5 kms de cumprimento.

Diria mesmo que pode ser algo representativo das pessoas que hoje em dia vivem em Luanda. Desde de portugueses que se fazem ouvir pelo caminho, chineses que têm vindo a chegar em maior número a Angola, expatriados franceses e americanos que ostentam os seus ipod de forma ingénua, angolanos das mais diversas classes e raparigas simpáticas que nos dão algumas palavras de incentivo e coragem, sempre bem-vindas.

Pelo caminho também encontro alguns grupos de ginástica que, segundo me dizem, se juntam de espontaneamente e de forma regular.

Sente-se uma boa vibração entre as pessoas que por ali circulam. E o tempo passa depressa à conversa com meus companheiros.

O pior chega nos dias em que a maré está baixa. Como numa Sexta-feira em que a Baía estava com menos gente do que é costume e aproveitei para fazer um treino de maior velocidade para as pernas não se esquecerem.

O circuito tinha sido tomado por um cheiro absolutamente nauseabundo para o qual muito contribui os esgotos que devem ali desaguar sem qualquer tratamento.

A iluminação também era deficiente, resultado das obras que por ali vão começar, segundo dizem.

Ao acelerar numa recta e motivado por momentos antes me ter cruzado e saudar uma velha glória do atletismo português que treina regularmente na Baía, sinto um impacto em algo macio que acaba por rolar cerca de um metro para a minha frente e fugir para a minha direita.

Tinha acabado de abalroar uma ratazana que tinha saltado da Baía. Naturalmente não me preocupei com a condição do animal. Fui simplesmente tomado por um sentimento de repugnância que me fez correr ainda mais depressa.

Pensei que aquela seria a minha última corrida na Baía. Mas depois recordei-me que também no Estádio Universitário (onde treino a maior parte da vezes em Lisboa) também já me tinha cruzado ratazanas, cheira mal quando estão a fertilizar os campos e a iluminação à noite é igualmente deficiente.

Decidi dar nova oportunidade e continuei por ali a correr naquele dia e nos seguintes.

Um dia sei que este lugar vai ser melhor, tal é o potencial evidente deste local. Nessa altura vou-me rir daquilo que foi a Baía de Luanda, outrora em vias de abandono.
 
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