domingo, 7 de novembro de 2010

Memórias de Lisboa

Partida em plena Ponte Vasco da Gama
Parque das Nações
Ponte Vasco da Gama
Praça 25 de Abril

Uma sociedade desactivada

Cintura do Porto de Lisboa
Estação de comboios de Santa Apolónia
Panteão Nacional
O Rio Tejo e o Cristo Rei
Pavilhão de Portugal

Lisboa, Setembro de 2010
Domingo de Sol. Cerca de 17 mil pessoas estendem-se ao longo dos últimos quilómetros da ponte Vasco da Gama com um destino comum: Lisboa e o Parque das Nações.

Os caminhos podem ser percorridos de forma ligeira e digna de uma manhã domingueira (mini-maratona de 6 quilómetros), ou por caminhos mais longos e tortuosos (meia-maratona).

Junto à partida dão-se os inevitáveis encontros entre corredores que parecem partilhar estes desafios há anos. Abraços e gargalhadas. As piadas competitivas. No ar sentem-se os odores de pomadas analgésicas de quem quer esquecer momentaneamente alguma dor. O som de uma hélice de um helicóptero arranca os últimos acenos dos corredores para o ar. A energia humana mistura-se com um som distorcido e ensurdecedor projectado por colunas espalhadas pela ponte. O ambiente é caótico e vibrante.

Início de mais uma prova na minha cidade. Não existem segredos em grande parte das ruas de Lisboa e muitos dos seus cantos guardam memórias de rostos ou circunstâncias particulares.

E assim foi. Desde logo na partida onde há dois anos iniciei a minha primeira meia-maratona mergulhado num mar de incertezas e angústias e ao som da “La Revancha del Tango” dos Gotan Project.

Após dois quilómetros sobre a Ponte Vasco da Gama alcançamos as margens de uma nova Lisboa que começou a ser erguida há cerca de 15 anos, quando o país ainda se julgava próspero. Anteriormente este espaço era ocupado por unidades industriais falidas e suas respectivas lixeiras. Os solos contaminados da zona criavam barreiras intransponíveis entre os Lisboetas e o Rio Tejo. Hoje vive aqui uma nova cidade contrastante com o charme da Lisboa antiga do centro.

Prosseguimos por entre prédios altos de formas contemporâneas até chegarmos ao quilómetro 5 e o primeiro grande aglomerado de público. Ouvem-se aplausos que nos enchem de energia. As nossas pernas parecem ficar mais leves e as passadas alargam-se, como que retribuindo o gesto de um público anónimo.

Seguimos paralelamente ao Tejo junto ao Porto de Lisboa. Edifícios de linhas rectas e provavelmente erguidos durante os anos 60. Muitos ainda ostentam nomes de sociedades e cooperativas entretanto desaparecidas.

O Sol brilha com maior intensidade e põe a descoberto os prédios que envelhecem à medida que caminhamos para ocidente.

O Porto de Lisboa parece estar calmo e tranquilo. Com poucos cargueiros atracados, gruas paradas e centenas de contentores coloridos de todo o mundo acumulados.

Esta zona portuária parece ser um local inóspito e com poucos motivos de interesse. Mas enquanto percorro estes quilómetros sou tomado por múltiplas memórias. Como um beijo nocturno à beira rio, um jantar de amigos, um amanhecer numa varanda de discoteca, um "brunch" com vista para um cruzeiro, um comboio que apanhei sem destino, a Amália, os cacilheiros que cruzam as margens do Rio Tejo, o cheiro das sardinhas assadas dos restaurantes no sopé da Colina de São Vicente e às portas de Alfama.

O ponto de retorno estava marcado junto ao Jardim do Tabaco. Por essa altura os pensamentos retrospectivos foram interrompidos por um atleta debutante na distância. Parecia procurar alguém com quem desabafar, embora me parecesse muito confortável na sua corrida.

A prova estava a ser feita a um ritmo elevado, pelo que uma conversa animada não estava nos meus planos. Mas durante quatro quilómetros conversámos sobre as suas dúvidas e as nossas experiências de corrida. O mercúrio aumentava e o cansaço foi-se apoderando de mim. A conversa tornou-se então mais intervalada e terminou com ele a incentivar-me à medida que se ia afastando.

Mas a meta junto ao Pavilhão de Portugal já não estava longe. O público volta a aparecer, as últimas reservas de energia são activadas e o último quilómetro é feito a uma velocidade acima da média.

O aproximar do final da prova faz-me recordar o momento em que terminei a minha primeira meia-maratona há dois anos neste preciso local. O avistar da meta e a certeza que iria concluir aquele meu primeiro desafio no mundo da corrida inundou-me de alegria e com uma sensação de dever cumprido. Pensei então que teria alcançado a meta. Sem nunca perceber que estava ali mesmo, em frente ao Pavilhão de Portugal, a começar uma corrida que não mais iria ter fim.
 
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