terça-feira, 13 de abril de 2010

La réconciliation










Paris, Abril de 2009

Maratona de Paris. Quilómetro 30. Em frente avisto a Torre Eiffel. Sinto-me bem fisicamente. Embora não estivesse perfeitamente convicto disso, ocorre-me a ideia de que, eventualmente, completar uma maratona poderia não ser uma tarefa tão dura. Ainda assim, para trás tinha ficado uma primeira parte absolutamente desastrosa, marcada por múltiplos acontecimentos não planeados.

Mas os quilómetros foram-se acumulando e partir de Trocadero comecei a sentir o cansaço físico e mental. Os níveis de ansiedade aumentam. Tento convencer-me que só faltam 10 quilómetros e que já fiz aquela distância múltiplas vezes e sem dificuldade. Mas nunca tinha os últimos 10 quilómetros de uma maratona. Para além disso, tudo aquilo que estava para além do quilómetro 30 era um imenso desconhecido para mim na altura.

Mas parte da energia que havia sido derramada nos quilómetros que para trás ficaram acabou por me ser parcialmente devolvida pelos parisienses que, provavelmente lendo a expressão de cansaço estampada no meu rosto, começaram a chamar ocasionalmente o meu nome. Aqui e ali ouvia-se um “Allez Milton!

Algures no Bois de Boulogne. Sei que estou perto. Mas não consigo avistar a meta. Nem tão-pouco algum aglomerado de pessoas que me indiciem que o final está próximo. Cada quilómetro parece uma eternidade. Passo por tendas da Cruz Vermelha com filas de corredores junto da entrada. Procuram certamente algum alongamento ou massagem miraculosa que lhes permita chegar à meta.

Pelos relvados do bosque vêem-se voluntários (clandestinos) que oferecem massagens aos corredores e ainda me cruzo com bancas que parecem ter sido montadas espontaneamente para servir vinho de Bordéus e Cidra. Afinal é uma maratona em Paris, e há que terminar a prova com estilo. Naturalmente, passei a oferta. Só vejo árvores e lagos à volta. A meta na Avenue Foch só seria avistada a algumas centenas de metros do fim.

Termino a prova e sinto uma enorme sensação de alívio. Completei a minha primeira maratona. Procuro à minha volta algum conforto. Alguém do meu mundo para partilhar o que havia feito ou simplesmente lançar um desabafo depois de um enorme desgaste físico e mental. Acabei por encontrá-la de vestido preto e branco junto ao Arco do Triunfo.

Paris, Dezembro de 2009

De regresso a Paris pela primeira vez após a Maratona de Abril.
Na bagagem um desejo enorme de me reconciliar com aqueles que foram, sem dúvida, e até à altura, os 10 quilómetros mais duros da minha vida.

Precisava relativizar aquele percurso. Para isso queria percorrê-lo em perfeitas condições físicas e sentir o contraste absoluto para com aquela manhã de Abril.
E assim foi. Acordei mais cedo num Domingo e apanhei o metro em direcção a Trocadero. Iniciei o treino em frente Torre Eiffel e prossegui junto ao Sena na “Rive Droite”.

A quase ausência de circulação de veículos e pessoas, bem como a inexistência de qualquer loja aberta denunciavam mais um calmo Domingo parisiense.

Ao contrário da luminosa de manhã de Abril, hoje o dia está frio e corro sob um manto de nuvens cinzentas.

Não me cruzo com nenhum corredor. Somente com os bateaux-mouches que deslizam pelo Sena.

Começo a mover-me para o interior da cidade deixando o rio nas minhas costas. Ao chegar a um bairro tenho a primeira sensação nítida de "déjà-vu". Sei que por ali alguém chamou o meu nome. Alguém que não me conhecia e não me devia absolutamente nada, não deixou de me apoiar.

Entusiasmado com a precisão com que as memórias vão sendo reavivadas através dos dos estímulos sensoriais que vou recebendo ao longo do treino, sigo numa passada mais viva em direcção ao Bois de Boulogne.

Pelo caminho passo pelo Parque dos Príncipes e faço um desvio para um pequeno bairro. Em todas as janelas estão afixados papéis coloridos e por momentos penso que todos aqueles apartamentos estão à venda. Mas tratava-se de uma manifestação coordenada de parisienses locais contra a demolição de um pequeno estádio que aparentemente serve as escolas das redondezas.

Prossigo e o próximo ponto de passagem são os estádios de Roland Garros. Aqui é possível ver alguns tenistas matutinos. Imagino a atmosfera incrível que deve este lugar deve ter aquando da realização do torneio de ténis mundialmente famoso.
Às portas do Bois do Boulogne sinto-me tranquilo e a aproveitar da melhor forma o treino. A absorver cada detalhe que me havia escapado em Abril. Começo a percorrer trilhos enlameados. Provavelmente resultado de uma última noite húmida. Cruzo-me com alguns corredores. Alguns gesticulam levemente com a cabeça deixando uma saudação. Como que um código de boas maneiras que existe entre muitos corredores.

Deslizo até aos lagos do bosque e meio perdido encontro a descida para a Avenue Foch onde terminava a maratona.

De rosto completamente transformado, a Avenue Foch estava despida de corredores e de uma pesada logística de bancas móveis. No lugar de milhares de corredores em êxtase por terem terminado a maratona ou outros a recuperar das suas dores, hoje a avenida está calma e tranquila e conseguem-se ouvir pássaros nos jardins laterais. Subo em direcção ao Arco do Triunfo. Mas hoje não está lá a miúda de vestido preto e branco.

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