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Passagem tranquila à meia-maratona |
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1st Avenue em Manhattan. Corríamos em direcção ao Bronx. |
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À procura da miúda do KM 30 |
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Já em pleno Central Park. Faltavam 2 Kms. Que mais pareciam ser 10. |
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Enfim.. a chegada! |
Nova Iorque, 6 de Novembro de 2011
Brooklyn fica para trás. Habituado a tamanha injecção de energia do público, receio não sentir o mesmo apoio quando os meus limites começarem a manifestar-se.
Concluída a meia-maratona entramos na Ponte Pulaski e chegamos a Queens.
O traçado é irregular e por vezes remendado com alcatrão fresco que deverá ter evitado alguns acidentes entre os participantes.
Antes de entrarmos em Manhattan (quilómetro 25), o primeiro grande teste. A Ponte de Queensboro que atravessa a Ilha de Roosevelt. Escura. Fria. Vento lateral. Sem público. Para começar uma subida acentuada superior a um quilómetro. Alguns corredores cedem e começam a marchar. Um vomita compulsivamente à margem. O silêncio na ponte só é cortado a respiração mais ofegante de alguns participantes. “
Respect the bridges!”, foi um dos conselhos que recebi antes da prova. Percebia agora o porquê. No final da ponte uma descida acentuada. Mas a moral do pelotão não aumentava.
Pela primeira vez senti-me invadido por algum pessimismo. Veio-me à memória o “
Muro de Roterdão” e o facto de já não estar longe do fatídico quilómetro 32. Mas este sentimento foi prontamente amenizado por uma calorosa recepção à saída da ponte e no início do percurso da 1ª Avenida.
Era notório o alívio de certos corredores. Alguns abriam os braços. Outros gritavam e pediam o apoio do público que acedia imediatamente. A alegria por sairmos da Ponte de Queensboro e reencontrarmos os nova-iorquinos era enorme.
Outra vez milhares de pessoas prestavam homenagem aos corredores na longa e larga 1ª Avenida. A tranquilidade daquela zona no dia anterior não deixava antever uma manhã de Domingo de loucura.
Perto do quilómetro 30 o momento que vale mais do que qualquer fonte de energia. Uma miúda vestida de preto que a muito custo consigo descobrir no meio da multidão. Protegida do frio, o seu sorriso inspira-me e enche-me de força para enfrentar os próximos quilómetros, ainda que as pernas começassem a ceder. O momento é efémero mas reconfortante.
Nova ponte. Nova subida. E o famoso bairro do Bronx. A receber-nos um rapper improvisa palavras de incentivo com uma batida hip hop de fundo. “
Put your hands in the air! Yo! Yo!”. Mas os maratonistas, que outrora vi a coreografarem o “YMCA” algures em Brooklyn, concentravam agora todas as suas forças nos últimos quilómetros da prova. Levar os braços ao alto parecia um enorme dispêndio de energia naquela altura.
Já em Harlem, entrámos na 5ª Avenida e com ela uma subida que não estava nos planos. O batimento cardíaco sobe. O cansaço apodera-se definitivamente de mim. Começo a sentir cãibras nos braços e uma bolha na planta no pé direito.
Quilómetro 38. O ponto de exaustão parece estar próximo. Procuro a rapariga do quilómetro 30. Teria sido o tónico perfeito para os quilómetros finais. Mas por mais que procure não consigo avistá-la por entre uma densa multidão.
Começo a largar por terra todos os acessórios que entretanto deixaram de fazer sentido. O cinto do gel, luvas, mangas térmicas.
O público que preenche as margens do percurso no Central Park insiste em relembrar que estamos próximos do final. No rosto destas pessoas procuro algum conforto para não ceder à tentação do corpo e reduzir o ritmo da passada.
Penso nas centenas de quilómetros que percorri até aqui chegar. Nos conselhos que recebi. Nas sessões de fisioterapia. Nos treinos com 30 graus e humidade nos 70%. Nos jantares que faltei. Nas noites que não pude acompanhar. Naqueles que tanto apoio me deram.
E recuso para mim mesmo que naquele momento tenha alcançado o meu limite. E consigo redescobrir-me.
De uma ligeira frustração por não ter cumprido o objectivo de tempo a que me tinha proposto, nasce uma enorme satisfação por conseguir dominar a mente que lutava contra os pedidos de clemência do corpo.
E é com este sentimento que alcanço a linha de chegada. No final as pernas tremem e parecem querer ceder. Sou rapidamente amparado por um voluntário que de sorriso rasgado dá-me os parabéns e embrulha-me numa manta térmica.
Passo por dezenas de voluntários vestidos de laranja que aplaudem sem parar e congratulam todos os corredores que chegam exaustos mas de rosto iluminado.
Diz o meu treinador e mentor desportivo que “
a mais importante das maratonas é a da vida”. Após trocar de roupa caminho lentamente para novo ponto de encontro. Pelo meio um telefonema para os meus pais aquece-me a alma naquela manhã fria de Outono. Chegado ao Lincoln Center, em frente ao Metropolitan Opera e aos painéis de Chagall, uma troca de sorrisos. E sem qualquer palavra, um abraço com forças que julgava terem ficado para trás. Estava selada mais uma maratona.