domingo, 12 de fevereiro de 2012

Zé Dias

Zé Dias, novo Wikaboo

Zé Dias e o seu primo Ivo.

Novembro de 2011

Dia de prova numa típica manhã africana. Calor e humidade potenciada por uma noite de pouco descanso.


Algures junto a um “musseque” da Samba sou alcançado por um atleta que vai sendo aplaudido por algumas dezenas de pessoas que se juntam nas margens.

Ficamos lado a lado. Mas a cada ajuntamento popular, mais aplausos e ele retribui através da generosidade de passadas mais aceleradas. Fico para trás. A cerca de 500 metros alcanço-o e desafiamo-nos para um sprint final. Deslizamos a grande velocidade para o fim. Cansados mas com o sorriso de quem cumpriu mais um desafio, selamos este desafio com um aperto de mão. Fico a saber o seu nome: Zé Dias. Corredor do Comité Paraolímpico Angolano.

O Dias corre por gosto. Mas também por necessidade. Naquele dia a prova não tinha qualquer prémio monetário e guardava as suas pernas para outros voos.

Não é pago pelo Comité que representa. Está desempregado. E depende de alguns prémios monetários pagos por algumas provas.

Sabia que me iria cruzar com o Dias de novo. E assim foi. Mantivemos contacto. E deu-se início à missão de equipar o Dias para que tenha as condições necessárias para atingir os seus objectivos.

A bondade, fraternidade, gosto de correr e vontade de conhecer novos limites são características que o Dias e o Wikaboo partilham, pelo que nada melhor do que esta camisola para começar.

Fiquem atentos aos Dias que se seguem!

E o nosso muito obrigado pelas dezenas de t-shirts até agora doadas pelo Wikaboo!

Adiram à página no Facebook "T-shirts com bolachas"

domingo, 22 de janeiro de 2012

Maratona de Nova Iorque - de Queens ao Central Park


Passagem tranquila à meia-maratona

1st Avenue em Manhattan. Corríamos em direcção ao Bronx.

À procura da miúda do KM 30

Já em pleno Central Park. Faltavam 2 Kms. Que mais pareciam ser 10.


Enfim.. a chegada!
 Nova Iorque, 6 de Novembro de 2011


Brooklyn fica para trás. Habituado a tamanha injecção de energia do público, receio não sentir o mesmo apoio quando os meus limites começarem a manifestar-se.

Concluída a meia-maratona entramos na Ponte Pulaski e chegamos a Queens.

O traçado é irregular e por vezes remendado com alcatrão fresco que deverá ter evitado alguns acidentes entre os participantes.

Antes de entrarmos em Manhattan (quilómetro 25), o primeiro grande teste. A Ponte de Queensboro que atravessa a Ilha de Roosevelt. Escura. Fria. Vento lateral. Sem público. Para começar uma subida acentuada superior a um quilómetro. Alguns corredores cedem e começam a marchar. Um vomita compulsivamente à margem. O silêncio na ponte só é cortado a respiração mais ofegante de alguns participantes. “Respect the bridges!”, foi um dos conselhos que recebi antes da prova. Percebia agora o porquê. No final da ponte uma descida acentuada. Mas a moral do pelotão não aumentava.

Pela primeira vez senti-me invadido por algum pessimismo. Veio-me à memória o “Muro de Roterdão” e o facto de já não estar longe do fatídico quilómetro 32. Mas este sentimento foi prontamente amenizado por uma calorosa recepção à saída da ponte e no início do percurso da 1ª Avenida.

Era notório o alívio de certos corredores. Alguns abriam os braços. Outros gritavam e pediam o apoio do público que acedia imediatamente. A alegria por sairmos da Ponte de Queensboro e reencontrarmos os nova-iorquinos era enorme.

Outra vez milhares de pessoas prestavam homenagem aos corredores na longa e larga 1ª Avenida. A tranquilidade daquela zona no dia anterior não deixava antever uma manhã de Domingo de loucura.

Perto do quilómetro 30 o momento que vale mais do que qualquer fonte de energia. Uma miúda vestida de preto que a muito custo consigo descobrir no meio da multidão. Protegida do frio, o seu sorriso inspira-me e enche-me de força para enfrentar os próximos quilómetros, ainda que as pernas começassem a ceder. O momento é efémero mas reconfortante.

Nova ponte. Nova subida. E o famoso bairro do Bronx. A receber-nos um rapper improvisa palavras de incentivo com uma batida hip hop de fundo. “Put your hands in the air! Yo! Yo!”. Mas os maratonistas, que outrora vi a coreografarem o “YMCA” algures em Brooklyn, concentravam agora todas as suas forças nos últimos quilómetros da prova. Levar os braços ao alto parecia um enorme dispêndio de energia naquela altura.

Já em Harlem, entrámos na 5ª Avenida e com ela uma subida que não estava nos planos. O batimento cardíaco sobe. O cansaço apodera-se definitivamente de mim. Começo a sentir cãibras nos braços e uma bolha na planta no pé direito.

Quilómetro 38. O ponto de exaustão parece estar próximo. Procuro a rapariga do quilómetro 30. Teria sido o tónico perfeito para os quilómetros finais. Mas por mais que procure não consigo avistá-la por entre uma densa multidão.

Começo a largar por terra todos os acessórios que entretanto deixaram de fazer sentido. O cinto do gel, luvas, mangas térmicas.

O público que preenche as margens do percurso no Central Park insiste em relembrar que estamos próximos do final. No rosto destas pessoas procuro algum conforto para não ceder à tentação do corpo e reduzir o ritmo da passada.

Penso nas centenas de quilómetros que percorri até aqui chegar. Nos conselhos que recebi. Nas sessões de fisioterapia. Nos treinos com 30 graus e humidade nos 70%. Nos jantares que faltei. Nas noites que não pude acompanhar. Naqueles que tanto apoio me deram.

E recuso para mim mesmo que naquele momento tenha alcançado o meu limite. E consigo redescobrir-me.

De uma ligeira frustração por não ter cumprido o objectivo de tempo a que me tinha proposto, nasce uma enorme satisfação por conseguir dominar a mente que lutava contra os pedidos de clemência do corpo.

E é com este sentimento que alcanço a linha de chegada. No final as pernas tremem e parecem querer ceder. Sou rapidamente amparado por um voluntário que de sorriso rasgado dá-me os parabéns e embrulha-me numa manta térmica.

Passo por dezenas de voluntários vestidos de laranja que aplaudem sem parar e congratulam todos os corredores que chegam exaustos mas de rosto iluminado.

Diz o meu treinador e mentor desportivo que “a mais importante das maratonas é a da vida”. Após trocar de roupa caminho lentamente para novo ponto de encontro. Pelo meio um telefonema para os meus pais aquece-me a alma naquela manhã fria de Outono. Chegado ao Lincoln Center, em frente ao Metropolitan Opera e aos painéis de Chagall, uma troca de sorrisos. E sem qualquer palavra, um abraço com forças que julgava terem ficado para trás. Estava selada mais uma maratona.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Maratona de Nova Iorque - de Staten Island a Brooklyn


Hino entoado por uma oficial do NYFD. Ao lado Michael Bloomberg, Mayor de NY (foto da organização)
 
Entrada para a Ponte de Verrazano Narrows (foto da organização)


Coro de Gospel de uma Igreja Evangélica de Brooklyn (foto da organização)


Apoio em Brooklyn (foto da organização)

6 de Novembro de 2011

8.50 da manhã em Staten Island. O primeiro de três conjuntos de corredores marcha em direcção à linha de partida. Para além dos anfitriões norte americanos, num raio de 5 metros vejo mexicanos, italianos, brasileiros e noruegueses.
Olhares tensos que certamente não serão um exclusivo dos debutantes na distância. Como me foi dito um dia por um dos corredores que viria a brilhar nesta Maratona – António Sousa, vencedor da categoria de Veteranos e 22º classificado na Geral –, os 42,195 kms escondem sempre alguma incerteza. Algo que não controlamos, ainda que tenhamos trabalhado arduamente nos meses anteriores.

Alongam-se os últimos músculos, espalham-se os últimos cremes anti-inflamatórios, rezam-se as últimas preces e percorrem-se listas de “do’s” e “dont’s” pela enésima vez.

Ao lado, filas de autocarros de topo aberto são populados por crianças entusiastas que pedem as roupas que protegem os corredores daquela manhã fria de Outono, no âmbito do programa de recolha de roupa para os sem-abrigo de Nova Iorque. Lembro-me das “t-shirts coloridas” que tenho para distribuir em Luanda. A minha última peça de roupa extra é arremessada para o autocarro. A descoberto fica a minha t-shirt Wikaboo que orgulhosamente envergo e que me acompanhou em centenas de quilómetros de treinos em manhãs quentes e húmidas de Angola.

O speaker pede que se faça silêncio e se tirem os chapéus. Vai ser entoado o hino dos EUA por um membro de uma corporação de bombeiros de Nova Iorque, os quais sofreram baixas massivas no 11 de Setembro. Sem excepção, a multidão de corredores acede ao pedido e faz-se silêncio. Algumas mãos são levadas ao peito. Eu aproveito para erguer a cabeça e deixar-me iluminar pelo sol que vai rompendo o céu azul e ameniza a manhã fria. É o meu último momento de concentração. Chegou o momento de me redescobrir física e mentalmente.

A marcar o tiro de partida, canta-se o clássico “New York, New York” do Frank Sinatra, para delírio dos milhares de corredores:

Start spreading the news
I’m leaving today
I want to be a part of it
New York, New York...

As primeiras centenas de metros são percorridas numa subida íngreme já em plena Ponte de Verrazano Narrows. Alguns param para tirar fotos. Outros, como eu, tentam rapidamente entrar na passada planeada, a qual consegui atingir após o primeiro quilómetro.

No final da ponte uma placa oficial diz “Welcome to Brooklyn USA”. Um dos corredores repete em voz alta esta frase para os primeiros populares que se aglomeravam junto à saída da ponte. Em uníssono estes respondem em êxtase e com orgulho “Yeahhh!!!”.

Esta primeira manifestação marcou o início de uma das manifestações populares mais impressionantes que tive oportunidade de viver.

Li algures na semana anterior uma frase:

If you are losing faith in human nature, go and watch a marathon” – Kathrine Switzer

Eu acrescentaria, que se veja uma maratona em geral e em particular a Maratona de Nova Iorque em Brooklyn.

47.438 corredores de 118 nacionalidades invadiam as principais artérias de Brooklyn. As margens estão completamente preenchidas formando um corredor humano por entre o qual percorremos até Queens. Difícil vislumbrar uma clareira por entre esta moldura impressionante.

Bandeiras ao alto dão um colorido especial ao nosso percurso e simbolizam a multiplicidade de nacionalidades que povoam aquele distrito nova-iorquino. O apoio ultrapassa largamente as tradicionais palmas. E são constantemente lançadas ao ar palavras de apoio em inglês e espanhol. Centenas de placas dão-nos um precioso incentivo: “Go runners!”, “Do some epic shit!”, “Don’t stop, people are watching!”.

A organização espalhou dezenas de pontos de animação pelo percurso. Mas Brooklyn quis exceder as expectativas. E abriram-se portas e janelas de onde saiam colunas com músicas do mundo. DJ’s que improvisaram pequenos pontos de exibição. Alguns aspirantes a estrelas pop com trejeitos de Jeniffer Lopez e Jay Z soltam versos improvisados de incentivo. Coros de Gospel de igrejas evangélicas celebram as suas missas dominicais nas ruas por onde passávamos transmitindo uma energia vibrante. Nos palcos da organização alinham grupos de rock, folk, country e capoeira.

Tudo é arrepiante, vibrante, perfeito. Afinal a maratona ainda vai nos primeiros quilómetros, o corpo ainda não nos pede clemência e à volta vive-se uma incrível demonstração de humanidade a que ninguém pode ficar indiferente.

Pessoas de todas as raças, credos, países e orientações correm e apoiam com um solo objectivo, chegar ao Central Park. E não posso deixar de pensar que Maratona de Nova Iorque poderia bem representar uma metáfora de um Mundo Utópico. Onde toda a Humanidade luta e apoia-se mutuamente em nome de objectivos comuns, sem que com isso cada individuo tenha que abdicar da sua identidade.
 
BlogBlogs.Com.Br