quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Maratona de Nova Iorque - de Staten Island a Brooklyn


Hino entoado por uma oficial do NYFD. Ao lado Michael Bloomberg, Mayor de NY (foto da organização)
 
Entrada para a Ponte de Verrazano Narrows (foto da organização)


Coro de Gospel de uma Igreja Evangélica de Brooklyn (foto da organização)


Apoio em Brooklyn (foto da organização)

6 de Novembro de 2011

8.50 da manhã em Staten Island. O primeiro de três conjuntos de corredores marcha em direcção à linha de partida. Para além dos anfitriões norte americanos, num raio de 5 metros vejo mexicanos, italianos, brasileiros e noruegueses.
Olhares tensos que certamente não serão um exclusivo dos debutantes na distância. Como me foi dito um dia por um dos corredores que viria a brilhar nesta Maratona – António Sousa, vencedor da categoria de Veteranos e 22º classificado na Geral –, os 42,195 kms escondem sempre alguma incerteza. Algo que não controlamos, ainda que tenhamos trabalhado arduamente nos meses anteriores.

Alongam-se os últimos músculos, espalham-se os últimos cremes anti-inflamatórios, rezam-se as últimas preces e percorrem-se listas de “do’s” e “dont’s” pela enésima vez.

Ao lado, filas de autocarros de topo aberto são populados por crianças entusiastas que pedem as roupas que protegem os corredores daquela manhã fria de Outono, no âmbito do programa de recolha de roupa para os sem-abrigo de Nova Iorque. Lembro-me das “t-shirts coloridas” que tenho para distribuir em Luanda. A minha última peça de roupa extra é arremessada para o autocarro. A descoberto fica a minha t-shirt Wikaboo que orgulhosamente envergo e que me acompanhou em centenas de quilómetros de treinos em manhãs quentes e húmidas de Angola.

O speaker pede que se faça silêncio e se tirem os chapéus. Vai ser entoado o hino dos EUA por um membro de uma corporação de bombeiros de Nova Iorque, os quais sofreram baixas massivas no 11 de Setembro. Sem excepção, a multidão de corredores acede ao pedido e faz-se silêncio. Algumas mãos são levadas ao peito. Eu aproveito para erguer a cabeça e deixar-me iluminar pelo sol que vai rompendo o céu azul e ameniza a manhã fria. É o meu último momento de concentração. Chegou o momento de me redescobrir física e mentalmente.

A marcar o tiro de partida, canta-se o clássico “New York, New York” do Frank Sinatra, para delírio dos milhares de corredores:

Start spreading the news
I’m leaving today
I want to be a part of it
New York, New York...

As primeiras centenas de metros são percorridas numa subida íngreme já em plena Ponte de Verrazano Narrows. Alguns param para tirar fotos. Outros, como eu, tentam rapidamente entrar na passada planeada, a qual consegui atingir após o primeiro quilómetro.

No final da ponte uma placa oficial diz “Welcome to Brooklyn USA”. Um dos corredores repete em voz alta esta frase para os primeiros populares que se aglomeravam junto à saída da ponte. Em uníssono estes respondem em êxtase e com orgulho “Yeahhh!!!”.

Esta primeira manifestação marcou o início de uma das manifestações populares mais impressionantes que tive oportunidade de viver.

Li algures na semana anterior uma frase:

If you are losing faith in human nature, go and watch a marathon” – Kathrine Switzer

Eu acrescentaria, que se veja uma maratona em geral e em particular a Maratona de Nova Iorque em Brooklyn.

47.438 corredores de 118 nacionalidades invadiam as principais artérias de Brooklyn. As margens estão completamente preenchidas formando um corredor humano por entre o qual percorremos até Queens. Difícil vislumbrar uma clareira por entre esta moldura impressionante.

Bandeiras ao alto dão um colorido especial ao nosso percurso e simbolizam a multiplicidade de nacionalidades que povoam aquele distrito nova-iorquino. O apoio ultrapassa largamente as tradicionais palmas. E são constantemente lançadas ao ar palavras de apoio em inglês e espanhol. Centenas de placas dão-nos um precioso incentivo: “Go runners!”, “Do some epic shit!”, “Don’t stop, people are watching!”.

A organização espalhou dezenas de pontos de animação pelo percurso. Mas Brooklyn quis exceder as expectativas. E abriram-se portas e janelas de onde saiam colunas com músicas do mundo. DJ’s que improvisaram pequenos pontos de exibição. Alguns aspirantes a estrelas pop com trejeitos de Jeniffer Lopez e Jay Z soltam versos improvisados de incentivo. Coros de Gospel de igrejas evangélicas celebram as suas missas dominicais nas ruas por onde passávamos transmitindo uma energia vibrante. Nos palcos da organização alinham grupos de rock, folk, country e capoeira.

Tudo é arrepiante, vibrante, perfeito. Afinal a maratona ainda vai nos primeiros quilómetros, o corpo ainda não nos pede clemência e à volta vive-se uma incrível demonstração de humanidade a que ninguém pode ficar indiferente.

Pessoas de todas as raças, credos, países e orientações correm e apoiam com um solo objectivo, chegar ao Central Park. E não posso deixar de pensar que Maratona de Nova Iorque poderia bem representar uma metáfora de um Mundo Utópico. Onde toda a Humanidade luta e apoia-se mutuamente em nome de objectivos comuns, sem que com isso cada individuo tenha que abdicar da sua identidade.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O regresso

Há semanas cheguei a recear que este blog estaria em vias de ser descontinuado, resultado da falta de conteúdo para aqui partilhar.


Subitamente a corrida parece ter perdido o seu encanto e algum romantismo para dar lugar a uma luta diária contra o meu próprio “eu” rumo a um novo objectivo: a maratona de Nova Iorque no dia 6 de Novembro de 2011.

Foram 4 meses de intenso treino. 1.258 kms percorridos. 115 horas de treino. Sacrifícios pessoais. E o ponto de partida? Uma cidade com condições díficeis para treinar (Luanda) e uma lesão no tendão rotuliano que não deu tréguas durante os dois primeiros meses.

Mas resisti. Treinei sobre a dor, desidratação e até queimaduras solares. Aos poucos o meu corpo adaptou-se e tornou-se mais resistente ao sofrimento. Mesmo antes da Maratona de Nova Iorque tinha a profunda convicção que saí desta fase mais forte física e mentalmente. E passei a dar valor a pequenas coisas como correr junto ao Tejo em Lisboa. Ou ter luz artificial para fazer um treino de séries à noite.

Corrida mais introspectivas e orientadas para um resultado final, aliadas a cenários de caos urbano africano e climas tropicais acabaram por quebrar algum gosto de escrever sobre os percursos que faço.

Mas o Running Routes está de volta. Mantenham-se atentos.
 
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