sexta-feira, 2 de julho de 2010

Angola oi qu’povo sabe



















Algures entre Sanganos e Cabo Ledo, Junho de 2010

Manhã típica de “cacimbo”, o Inverno Angolano. Céu encoberto em tons de cinzento. Temperaturas que deveriam rondar os 25º e a humidade nos 70%.

Será o meu primeiro treino longo em Angola e é necessário munir-me de todos os acessórios para que este passeio não se faça somente de sofrimento.

E assim foi. 2 litros de água no “camel bag” e meio litro de Isostar. Óculos de sol, chapéu e protector solar.

Sem destino, início a minha corrida num tapete de terra vermelha em frente ao Restaurante Pirata, na Praia dos Sanganos.

O primeiro ponto de passagem é uma praia de pescadores. No momento algumas embarcações de pesca artesanal alcançavam terra firme e descarregavam o resultado de um trabalho provavelmente iniciado quando ainda não tinham rompido os primeiros raios de sol.

Os habitantes de Sanganos parecem viver essencialmente deste tipo de pesca, o que lhes proporciona pelo menos uma via de subsistência, ao contrário de muitos que vivem em Luanda e parecem não ter qualquer alternativa.

Percorri cerca de 1km. Precisava procurar outras rotas e começo a subir uma arriba íngreme. Nada agradável no início de um treino. Pelo caminho sou obrigado a perfurar algumas nuvens de poeira levantadas por automóveis transportando gente que, como eu, suspiram por cenários de quietude, longe do caos da cidade de Luanda.

No topo chego a um “musseque” amigável onde estão algumas crianças junto à estrada.

O lema do treino era “carpe via”. “Seize the road”! E não tanto o acumular de quilómetros nas pernas no mínimo tempo possível.

Imbuído desse espírito e fascinado pelos olhos bem abertos de crianças que me observavam com curiosidade não resisto em parar e trocar algumas palavras com elas.

Depois de terem sido feitas as apresentações e trocados alguns sorrisos começam a pedir-me de forma tímida:

“Dá bolacha!”

Como se pedissem um pequeno mimo. Uma extravagância.

Sem bolachas, acabo por despedir-me com a promessa de que iria voltar. Desta vez preparado para satisfazer o pedido tão simples que me havia sido feito.

Enquanto vou passando pelo “musseque”, algumas pessoas olham para mim com desconfiança. Mas um aceno, polegar para cima ou um “bom dia!” da minha parte é suficiente para quebrar o gelo e obter, sem qualquer excepção, uma saudação, um sorriso ou mesmo um gesticular mais frenético como quem quer transmitir uma espécie de energia.

Uma vez alcançada a estrada, encosto-me junto à berma do lado esquerdo e arranco em direcção a Cabo Ledo.

As rectas que percorro cortam uma paisagem repleta de pequenos arbustos e imbondeiros das mais diversas formas. Cada curva dobrada, cada final de uma subida desvendava uma nova recta com quilómetros de distância.

Cruzo-me com alguns veículos e imagino o que os condutores devem pensar desta imagem algo inverosímil. Já fiz aquela estrada muitas vezes e o máximo que vi foi um ciclista a pedalar com o seu carro de apoio. Ou então pessoas a viajar a pé. Mas alguém a correr sozinho… e com ar de quem se está a divertir por ali…

O calor aumenta à medida que vou deixando a praia nas minhas costas. O vento sopra de forma muito ligeira transformando-se momentaneamente em pequenas rajadas sempre que passam veículos pesados a alta velocidade.

Alguns automóveis fazem-me sinais de luzes, outros apitam. Todos os motociclistas saúdam-me. Talvez tenhamos uma maior empatia por partilhamos o prazer de estarmos a viver uma viagem ao ar livre naquele cenário.

Mais adiante vejo alguns sacos de pano colorido junto à estrada e que denunciavam a presença de alguém por perto. Uma senhora idosa que cumprimento do lado contrário da estrada. Acabei por ir ao seu encontro.

Cristina era o seu nome. As mãos e rosto cobertos de rugas indiciavam uma vida difícil e os olhos uma expressão cansada de quem já viu muito.

Enquanto aproveitava para beber água conversava com a Dona Cristina à sombra de um imbondeiro. Ela aguardava pacientemente por uma boleia. Sentada no chão e quase de costas para a estrada contou-me a história do filho que perdeu e do neto que estuda. Parece que estava ali há horas mas continuava serena. Em África espera-se muito. Tudo leva tempo.

Continuo a minha viagem. Na esperança de já não encontrar a Dona Cristina no meu retorno.

Avanço até alcançar uma placa que apontava para uma estrada de terra vermelha em direcção ao Santuário da Muxima. A estrada já não me poderia proporcionar outro tipo de paisagem nos quilómetros que se seguiam, pelo que optei por virar para este caminho.

O terreno era naturalmente mais macio. As paisagens mais áridas. O trânsito praticamente desapareceu.

Junto à estrada ficam algumas casas feitas de canas e com pequenas hortas à porta. Numa delas duas senhoras parecem moer farinha em torno de um pilão.

À margem da estrada um sinal vermelho e branco. Por momentos receei que pudesse ser um aviso de minas. O que não fazia sentido pois naquela estrada haviam marcas de pneus de automóveis e algumas pegadas.

Prossegui então. Mas pensei que aquele bem poderia ter sido um cenário de guerra há 10 anos atrás. E como a paz que se vive em Angola me concedia a liberdade de percorrer aquelas estradas sem qualquer restrição. Mas acima de tudo como a paz devolveu ao povo angolano alguma esperança.

Os sinais de qualquer presença humana tinham desaparecido por completo. Os campos vão ficando amplos e iluminados por uma luz fantástica. Paro uma vez mais à sombra de um imbondeiro que marca aproximadamente o meu ponto de retorno. Refresco-me e reponho algumas energias com uma barra de figos.

Estou atrasado para o almoço. Quero fazer um regresso mais rápido e concentro-me de forma a marcar uma passada constante.

Depois de voltar à estrada vejo uma carrinha Toyota Hiace pintada de azul e branco, vulgarmente designadas por carrinhas dos “candongueiros”, transporte público por excelência em Luanda e arredores. A carrinha vinha sobrelotada e buzinava de forma desafinada para mim. Diversos braços agitam-se fora das janelas! Momento simpático. Não sei se queriam saudar-me e dar-me uma força ou dizer-me que lá dentro não cabia absolutamente mais ninguém, pelo que deveria continuar a correr.

As temperaturas aumentaram para níveis desconfortáveis. O asfalto ferve e o sol brilha com maior intensidade. Os resquícios de uma manhã de cacimbo já tinham desaparecido mas não vou parar até chegar ao meu destino.

Até chegar a um pequeno estaleiro de obras já perto dos Sanganos. Ali um rapaz por quem tinha passado na ida chama por mim. Fui em direcção a ele e perguntou-me, com um rosto de preocupação, se eu estava à procura de alguém ou se estava perdido. Sorri e tentei explicar-lhe que fazia isto só porque gostava! Ainda que tenha ficado intrigado e não totalmente convencido, pareceu ter ficado mais descontraído e apresentou-se como sendo o Máquina. E voltou para a betoneira que não deixou de trabalhar.

De regresso ao restaurante Pirata, e enquanto tomava um banho no mar, senti-me plenamente realizado com a viagem que fiz. Porque viajar é isto. Percorrer um espaço repleto de cenários fantásticos e pessoas diferentes com quem podemos aprender sempre um pouco mais.

 
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